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Coleção de Arte Popular ganha nova exposição no Solar Ferrão


 A Casinha. Técnica de argila sobre parede. Criação do artista visual Denissena.


A importância das expressões populares para a compreensão da nossa identidade cultural é a principal referência da Coleção de Arte Popular que acaba de ganhar nova expografia no Centro Cultural Solar Ferrão (Pelourinho). Expostas em três salas totalmente reformadas, as peças são representativas da Cultura Popular do Nordeste coletadas entre as décadas de 50 e 60 do século XX. O núcleo inicial teve origem na coleção adquirida pelo cenógrafo e diretor de teatro Martim Gonçalves para subsidiar e ilustrar estudos e práticas na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA), posteriormente ampliado pela arquiteta italiana Lina Bo Bardi.

O encontro de Martim Gonçalves com a arquiteta italiana, primeira diretora do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), e a afinidade profissional entre ambos gerou diversos projetos não só para peças teatrais como para mostras de arte. Esta parceria viabilizou, em 1959, a “Exposição Bahia” (de Arte Popular Nordestina), na V Bienal de São Paulo. O acervo também compôs a exposição “Nordeste”, realizada em 1963, no MAM, e diversas mostras promovidas na Bahia e em São Paulo. Em 2003, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) passa a ter a guarda da coleção.

Dentre as peças utilitárias e figurativas que compõem a Coleção de Arte Popular, encontram-se ex-votos, imaginária (arte sacra católica e de matriz africana), esculturas em cerâmica, utensílios domésticos como fifós, panelas, potes de barro, além de carrancas, brinquedos e outros objetos criados a partir de materiais reutilizáveis que representam a sintonia entre a arte e a vida cotidiana. Completam a nova expografia a obra “Emblemática Casinha”, de Denissena (2018) e a foto “Margem do Rio São Francisco – Barra (BA)”, de Mateus Pereira (2008).

O artista plástico Denissena informou que esta foi a primeira vez que utilizou a técnica de argila sobre parede para, num processo experimental, produzir a obra. “Foi uma experiência muito gratificante, pois pude produzir pela primeira vez toda a textura, o relevo e os tons da argila sobre a parede para compor a obra. Além isso, este processo me remeteu às pessoas que constroem suas próprias casas de barro. Pude sentir, naquele momento, como elas”, explicou.

A coordenadora da Dimus, Fátima Santos, explica que esta é mais uma reabertura que compõe o processo de requalificação do Solar Ferrão. “Já revisitamos as salas da Coleção de Walter Smetak e agora estamos entregando a nova expografia da Coleção de Arte Popular. Além disso, estamos finalizando uma requalificação física geral do prédio e ainda vamos finalizar o trabalho no Museu Abelardo Rodrigues e da Coleção de Arte Africana”. Sobre a reforma física, o diretor de projetos, obras e restauro do IPAC, Felipe Musse disse que este processo inclui reforma física com manutenção dos pisos em madeira, revisão de esquadrias, telhado, da parte elétrica e hidráulica, além de pintura interna.

Alguns destaques

Os ex-votos, presentes nesta mostra, são testemunhos de fé e agradecimento por graças alcançadas que podem estar relacionadas à cura de enfermidades no peito, no braço, na cabeça, ou em outras partes do corpo humano e até mesmo à conquista de um bem material. Cada peça traduz a capacidade inventiva e a percepção visual de artesãos e santeiros autodidatas, ou daqueles que herdaram o ofício de seus pais ou mesmo de parentes próximos. Esses artesãos, na maioria anônimos, buscavam soluções práticas, explorando os recursos materiais disponíveis em sua região e, dessa forma, conferiam a estas peças características específicas.

A importância do vaqueiro é um dos destaques da mostra, onde se pode ver sua indumentária e apetrechos da montaria e de sobrevivência. Do couro do boi se fazia a roupa de trabalho do vaqueiro que lhe permitia embrenhar-se pelas matas agrestes (calção, perneiras, gibão, guarda-peito, jaleco, luvas, chapéu, sapatos), o aparelho da montaria (sela, antolhos, barriguilha, cabresto, rédea, chincha, rabicho, peitoral, cabeço, brida) e os utensílios para sua sobrevivência e da montaria: o bogó para tirar a água do poço; a borracha para o transporte em viagem; o surrão destinado ao seu farnel; o embornal para a comida dos animais de tração ou viagem. O pouso dos vaqueiros para o seu repouso e o da sua boiada foi semente de muitas localidades que hoje constam em nossos mapas e que se iniciaram com a vida social das fazendas de criar que fixaram os homens nas terras dos sertões.

Uma grande parcela da produção artística popular do Nordeste está representada nos utensílios decorativos e utilitários produzidos em vários municípios. São peças esculpidas ou talhadas em madeira e outras feitas em cerâmica, fruto da produção coletiva ou individual de mestres artesãos. Dentre as peças utilitárias, figuram as talhas, potes, porrões, quartinhas, panelas, alguidares, moringas, caborés, mealheiros e outros utensílios. As peças figurativas destinam-se ao uso religioso, lúdico e para o adorno, representando santos, anjos, animais, frutos, cenas e tipos regionais.


CENTRO CULTURAL SOLAR FERRÃO

Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o casarão construído entre o fim do século XVII e início do XVIII possui seis andares e abriga a Galeria Solar Ferrão, o Museu Abelardo Rodrigues e quatro coleções: a Coleção de Arte Popular (ampliada pela arquiteta Lina Bo Bardi) que reúne peças representativas da cultura popular do Nordeste coletadas entre as décadas de 50 e 60; a Coleção de Arte Africana Claudio Masella, que mostra a riqueza estética e a diversidade da produção cultural africana do século XX; a Coleção de Instrumentos Musicais Walter Smetak, suíço que marcou a história da música brasileira, influenciando movimentos como a Tropicália; e a Coleção de Instrumentos Musicais Tradicionais Emília Biancardi. O Solar Ferrão integra os espaços administrados pela Diretoria de Museus do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (DIMUS/IPAC), da Secretaria de Cultura do Estado (SecultBA).

Visitação: terça a sábado, das 13h às 17h.
Entrada: grátis
Endereço: Rua Gregório de Mattos, 45 - Pelourinho, Salvador (BA)
Contato: (71) 3116-6743


Dimus – Diretoria de Museus – BA
Jornalista responsável – Yara Vasku (DRT-PR 2904)
Contatos: (71) 3117-6445/ 99119-7746/ yaravasku.dimus@gmail.com

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