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O entrevistado Denissena

1. Você gosta de ser conhecido como um operário cultural. O que isso representa para você?


Representa minha identidade, com o pé no chão. Transpiro arte o tempo inteiro, mas nunca foi fácil levar adiante esse projeto de vida. Sei o quanto luto e reconheço a realidade de quem vive de arte, por isso a humildade vai comigo, onde quer que eu vá, levo meu trabalho.

2. Enquanto artista plástico, grafiteiro e educador social, você acredita que a arte pode ser um caminho para a transformação social? É possível, diante de tantas desigualdades sociais, dar uma nova “cor” a vida, através da arte?

Acredito na arte como veiculo de comunicação e transformação social. Através da arte-educação podemos colorir nosso mundo e politizar a nossa sociedade, que ainda é carente de cultura, de valores. Aposto em iniciativas como o Projeto Cidadão, ONG em que sou voluntário há 7 anos, e aprendo muito com os educandos. Além de atingir diretamente as crianças e adolescentes a quem dou aulas, percebo que alcanço também à comunidade, que valoriza meu trabalho e reconhece que contribuo com a estética urbana.

3. Antes de entrar para o Projeto Cidadão, qual era a concepção que você tinha sobre a arte? E hoje, como a enxerga?

Desde criança, a arte sempre foi meu alimento espiritual. Entrei no projeto a convite de Antonio Jorge, coordenador da iniciativa é um dos homens mais solidários que já conheci até hoje, morador do Cabula. No projeto Cidadão, conheci a técnica do grafite e desenvolvi habilidades com desenho, e o mais rico foi poder trocar conhecimentos com outros jovens e exercitar constantemente a linguagem, na prática. A partir desse projeto, atentei mais para a importância de a arte estar nas periferias e no interior, principalmente onde há pessoas sem acesso à cultura e educação. Hoje, busco estudar a arte contemporânea, a arte que está no nosso cotidiano. Enxergo-a como a maior ferramenta de expressão, comunicação e resgate da auto estima.Sem ela, não estamos antenados. O que seria do homem sem a arte?

4. Representar a arte brasileira, e, mais especificamente, a arte baiana - tão marcada pelas raízes

negras africanas e pela diversidade cultural – nos Estados Unidos parece um grande desafio. Como foi encará-lo?

Viver de arte é um desafio. Quando você é de luta e sabe usar a flecha, é mais fácil encarar qualquer realidade. Nessa minha viagem a Nova Iorque, pude aprender sobre outras culturas e realidades. Fiquei feliz quando me disseram que um canal de TV a cabo fez uma matéria sobre o graffiti em Nova Iorque, filmaram o meu trabalho que tem a frase: Axé Brasil! Isso é uma representação da minha identidade e do valor da nossa cultura. Não foi fácil graffitar no Five Points, espaço onde diversos artistas contemporâneos talentosos já pintaram. Mas rolou, porque acreditamos, e deixamos nossa marca lá.

5. A mensagem que você transmite para o mundo, seja através dos grafites espalhados pela cidade, seja como educador, seja como escultor é sempre de muita esperança. Sua arte revela um discurso em defesa de valores como liberdade, paz e justiça social. De onde vem essa força e esse otimismo todo? Quais são suas maiores fontes de inspiração?

Já na infância, ouvia minha mãe e minha avó Helena Sena falarem da paz, do amor e das injustiças. Sempre gostei de ouvir as conversas dos mais velhos e aprendi ouvindo suas visões de mundo. Meus pais são as minhas referências, por isso uso meu sobrenome Sena, importante identidade que representa família. Importantes amigos e minha fé também são as minhas fontes de inspiração.

6. Pode falar um pouco sobre a relação arte e religião? De que forma o Candomblé repercute no seu trabalho?

Aprendi no Livro O QUE É GRAFFITI, de Celso Gitahy, que a arte é democrática. Ela pode estar em qualquer lugar. Na minha arte, posso representar a minha fé e resgatar a cultura do candomblé, principalmente na minha comunidade. Vejo no olhar das pessoas o preconceito com relação a essa religião, mas eles não têm culpa, é uma questão cultural e da política educacional. Na contemporaneidade, é importante expressar o que sentimos e o que acreditamos. Hoje, levo minha arte para os Terreiros para que outras pessoas, possam perceber o quanto eles são importantes, pela raiz que carregam e preservam. A religião do Candomblé é a matriz,é de lá onde nasceu a cultura afro-brasileira.


7. Você se apropria dos espaços públicos para deixar sua mensagem. Existem limites para esse tipo de intervenção artística, que reinventa os espaços e impõe de forma crítica ideais e valores?

As intervenções são importantes para a construção da paisagem urbana. É uma comunicação e expressão de jovens que têm suas realidades de vida. Existem espaços autorizados e outros não. A proibição, por exemplo, é vista de forma bem particular na cultura do graffiti. O muro que dá para a rua não é de uma só pessoa, é de todos que passam por ali. Mas também existem regras na cultura de rua: são muito importantes o respeito e o diálogo. É importante abordar através do graffiti as realidades sociais, políticas e econômicas, com muito humor e ironia.


8. Pode narrar alguma experiência que marcou sua carreira profissional?

Tive a oportunidade de participar do Universidade Solidária – UNISOL, projeto da Universidade Estadual da Bahia (UNEB), que levou alunos para Macururé, cidade do sertão baiano, onde os conhecimentos acadêmicos foram aplicados em serviços à comunidade. Trabalhei com as modalidades de graffiti, pinturas em telas e esculturas produzidas com ossos de animais mortos pela seca. Pude ver de cara a realidade das crianças,adolescentes e jovens que vivem no pobre sertão. Foi uma viagem inesquecível, uma grande troca com a comunidade de Macururé, dei a minha pequena contribuição através da arte.

Entrevista Bruna Hercog - Jornalista