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Casa Claudia entrevista Denissena


1- Por que se entitula operário cultural? É o que todo artista é na sua opinião?

Me denomino operário cultural pela minha luta e resistência .É uma grande missão viver da plasticidade contemporânea, no país onde o analfabetismo visual é evidente. A arte-educação tem uma grande função em transformar e direcionar muitas vidas, que muitas vezes escolhem outros caminhos. Acredito que muitos artistas no Brasil lutam e buscam o reconhecimento, que é fundamental. É muito fácil dizer que é artista, mas pra viver da arte no país em que muita gente ainda morre de fome e muitos gastam milhões em coisas efêmeras - Paradoxo.

2- Das muitas facetas da sua arte, qual a que você mais gosta? Sou um artista visual inquieto por natureza. Índio flecheiro das matas e da selva de pedra (Cidade). Gosto muito dos meus desenhos, que é a base inicial.

3- Qual a técnica que te dá mais liberdade? Justamente o desenho, que resulta outra importante linguagem, a exemplo o grafffiti. É algo extremamente espiritual, pois fluir com muita naturalidade e alimenta minha singela alma.

4 - A arte tem de extrapolar o espaço fechado das galerias? Das casas? Ela deve estar na rua? Aliás, essa é a definição de grafite -- uma manifestação artística nos espaços públicos. O meu primeiro contato com a ferramenta spray, foi no evento de decoração Made in Brazil, no Centro de Convenções em 1996. Fui convidado pelo meu professor Henrique Burgos na época , que eu estudava em escola pública, na comunidade Cabula (Antigo Quilombo). Até hoje me lembro, pois era uma casa toda reciclada e fui convidado a grafitar um dos ambientes, o quarto do adolescente. Toda produção foi dos aulos da Escola de Belas Artes , UFBA. Meu professor HB era um dos alunos e me convidou. Foi marcante! Me inspirou muitooo, até hoje. Oportunidade é a palavra chave. Gosto de pintar e expor em galerias,museus, vitrines e explorar diversos suportes. Acho que é aí, que está a essência da arte contemporânea, o novo do novo, pois as vezes o novo já nasce velho. O graffiti é uma linguagem urbana e está nos grandes centros urbanos do mundo. Por mais que essa linguagem esteja nas galerias, museus, vitrines sua essência é a rua. Diria que é uma das principais linguagem que democratiza a arte no espaço urbano e a transgressão faz parte do processo, até porque é uma forma de expressão política. A força plástica do grafffiti contamina, transcende e hoje é uma grande ferramenta de inclusão social.

5 - Mas você também curte fazer decoração? Qual a parte que você mais gosta desse tipo de trabalho? Sim, me divirto pintando seja qual for o suporte de uma casa, por exemplo. Tenho muitas inspirações e gosto dos desafios, que resulta positivamente nas minhas criações. Logo vem os aplausos.

6- Qual a importância do grafite como forma de arte urbana numa cidade como Salvador? Há uma grande contribuição da paisagem urbana, que resulta dialogo, inspirações e transcende mais alma artística na cidade Salvador, onde existem muitas periferias. Daí as cores transformam e a plástica graffiti grita sem fazer barulho, despertando a consciência política da juventude. É uma linguagem democrática e todos tem acesso, independente de credo, classe, cor e fronteiras.

7- A arte do grafite no Brasil é muito bem conceituada no mundo. O que nossos artistas têm de especial? Linguagem cosmopolita e umas das principais da arte contemporânea. Os nossos artistas tem novas técnicas, estilo e identidade. Além do compromisso social, muitos são arte-educadores e atuam em diversas instituições educativas.

8- Que outros países se destacam nessa arte? Diria Brasil, Estados Unidos, Argentina, França, Japão, Alemanha e Itália. Linguagem universal.

9- Você usa spray tb sobre telas? É complicado ter limites? Realizei uma mostra na Galeria alternativa chamada Okiei em Tókio no ano 2009, com produções de sprays sobre telas, além de NYC e Caixa Cultural. Fiz releituras de pinturas rupestres na técnica de spray sobre pedras no MAM - Museu de Arte Moderna, Av. Contorno. A questão é que não me preocupo com limites e crio com muita facilidade, até porque, eu gosto do desafio.

10- Qual o material que você usa: spray importado? No graffiti uso muitas latas importadas devido a qualidade, que de fato, resulta perfeitamente nas minhas produções.

11- Custa caro fazer grafite no Brasil? Sim, o material quando é de qualidade, principalmente. Muitas pessoas não tem noção de quanto se gasta pra produzir intervenções de arte graffiti nas ruas por exemplo, sem falar que muita gente cola cartazes e durante as campanhas políticas, apagam as nossas produções. lamentável!

12- É complicado viver da arte no Brasil? Em Salvador mais ainda ou não? Não é complicado. É preciso ser organizado, pois eu por exemplo sou micro empreendedor individual. Produzo com notas fiscais e tenho contador. Isso é fundamental para o artista. O mercado de arte em Salvador está crescendo e busco meios de concorrer a editais culturais( políticas públicas/ privadas), como por exemplo, fui contemplado na Conjunto Cultural da Caixa em 2010. Outra importante questão é fazer parte de uma rede de relacionamentos de profissionais como arquitetos, decoradores, designer, agencias de eventos e comunicação. Estive por 3 vezes na Casa Cor Bahia e já fiz vitrines de lojas conceituadas na cidade Salvador. Continuo ralando e me denominado operário cultural. Amo o que faço e a arte ainda se mostra primeiro em tudo.

13- Mas você vive da sua arte? Sim, meu grande alimento humano e espiritual.

14- E ainda faz um trabalho social. Como as crianças, jovens reagem à arte? Logo após o meu contator no projeto Made in Brasil, a convite do meu ex-professor de arte Henrique Burgos em 1996. Conheci o Antonio Jorge, grande amigo,que me convidou a ser arte-educador e voluntário há 12 anos do Projeto Cidadão, que até hoje tem a parceria da Escola Municipal Cabula 1. Dou aulas aos de desenho e graffiti aos sábados, entrada gratuita. Já passei passei pela UNESCO, UNEB, UFBA, UNIFACS e muitas outras faculdades que me convidaram a desenvolver oficinas de graffiti. Inclusive recebo convites pra capacitar professores das redes de ensino público e particular. Desenvolvo algumas ações sociais voltadas a arte-educação em diversas comunidades, atuando em escolas públicas e particulares. Muito vêm produzindo, reconhecem a importância da arte na contribuição de formação, auto estima e consciência política. Vale ressaltar que, no nosso país quem mais morre é a juventude. Por isso que sempre digo, que minha arte é espiritual,portanto são missões.

15- Vc acha que os grafiteiros são os artistas mais próximos da juventude? Diria que o graffiti é uma linguagem muito próxima e transformadora em diversos aspectos. O Hip Hop por exemplo, tem a arte graffiti como o elemento mais antigo. Há também o Punk Rock, New Waves e outros movimentos também,a exemplo do graffiti gospel. Cada um com suas referências. Há uma questão importante que a ferramenta spray, que vem substituindo muitas armas de fogo. Isso faz aproximar o jovem á arte.

16- Como o grafite especificamente entrou na sua vida? Tudo muito naturalmente. Conheci pessoas como o Henrique Burgos, Professora Beth Sena, Antonio Jorge e outras importantes referências como a minha avô Helenasena que me incentivou e faz parte da minha crença pela arte. O grande lance é que eu acredito na arte,que transcende no meu cotidiano. Reconheço a importância dela em minha vida, além de muitas pessoas que apreciam, colecionam, produzem ,acreditam na arte como veículo de comunicação milenar e transformação social. Transito por diversas classes sociais e sei o quanto contribuo com a minha arte, que por mais que seja efêmera ou não, tenho a minha história pra ser reproduzida no meio social. Como diz a canção do Lampirônicos: Só é seu aquilo que você dar.

17- Há quanto tempo esse é o seu trabalho? 16 anos que me dedico a plasticidade contemporânea.

18- Quais os próximos passos da sua carreira? Vai abrir essa galeria... quando mais ou menos? E mais algum plano? A Galeria Street 66, localizada na Av. Juraçy Magalhães Neto, Horto Florestal é promovida pela loja Kasinski. Será Inaugurada nessa sexta-feira, 11 de maio. a partir das 19h. Está lindíssima e vai promover muitas produções de artes visuais, explorando diversas linguagens do universo Street Art Bahia, a exemplo de toy art, arte digital, customização em tenis, além de inusitados suportes e acompanhar as novas tendências mundiais. Quanto a minha carreira as coisas vão acontecendo, até porque o futuro é agora. Basta piscar os olhos.

19- Vc é soteropolitano, certo? Sim. Virginiano e plugado nas boas vibrações.

20- Posso perguntar quantos anos vc tem? Sim, tenho 35 anos. Mas já vivi há mais de 500 anos - Indígena-afro-brasileiro.

21- Onde vc já grafitou em Salvador? Na Cidade Baixa, IAPI, Barra, Largo 2 de Julho ( Centro), Ondina, Rio Vermelho, Pituba , Boca do Rio, Ondina, Comércio, Calçada, Cidade Baixa, Brotas, Pernambués, Beirú, Piatã, Itapoã, e principalmente na minha comunidade Quilombo Cabula 1.

Entrevista por Simone Serpa. Revista Claudia. Julho 2012

http://www.denissena.com

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